Alvos de violência política, mulheres jornalistas precisam de acolhimento e justiça
Por: Samira de Castro*
Primeiro evento RIPVG - Brasil trouxe questões sobre ataques contra mulheres no exercício da profissão
Mulheres jornalistas são, cada vez mais, vítimas de violência ao realizarem seu trabalho cotidiano. Para debater o problema e ajudar as profissionais a enfrentarem os crescentes ataques, sobretudo em ambientes virtuais, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadoras com Visão de Gênero e Raça (RIPVG- Brasil) realizou, nesta quinta-feira (18/03), o seminário virtual “Violência de gênero no jornalismo: saídas jurídicas”. O evento marcou também o 8 de Março — Dia Internacional de Luta das Mulheres.
O primeiro evento da RIPVG — Brasil contou com a participação de Denise Dora, diretora executiva da Artigo 19, e Patrícia Campos Mello, repórter especial e colunista da Folha de São Paulo. A mediação foi de Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão. Na abertura, Miriam Bobadilla, coordenadora da Red Internacional de Periodistas con Visión de Género (RIPVG) falou sobre a importância do trabalho da rede internacional e das redes nacionais.
Violência política contra as mulheres
“O fato de as mulheres migrarem para a ocupação dos espaços públicos de comunicação — que têm influência na opinião pública, que podem estabelecer novos diálogos com a sociedade -, [isso] fura uma barreira do simbólico, de mulheres com vozes e capacidade de influência, que gera violência política”, comentou Denise Dora.
Para a diretora da Artigo 19, as jornalistas podem ser comparadas às mulheres que exercem cargos políticos (detentoras de mandatos Executivos e legislativos), porque [o Jornalismo] “é um lugar em que há a produção de uma voz pública e, nesse sentido, essa voz feminina pública produz desconforto numa estrutura patriarcal muito dura — e produz reação”.
Dora ressaltou que, “não por acaso, hoje no Brasil, que vive um ambiente mais autocrático, com a presença de forças políticas no governo federal, que autorizam violência, o número de agressões contra mulheres cresceu exponencialmente”. A Artigo 19 monitora as manifestações de violência e ameaça contra jornalistas e, desde janeiro de 2019 até dezembro de 2020, monitorou 459 ataques diretos a jornalistas, um percentual muito grande contra mulheres jornalistas.
Segundo a diretora da Artigo 19, nos ataques às trabalhadoras da mídia, os agressores utilizam os padrões tradicionais de discriminação e sexualização das mulheres, atacando-as por características físicas, e com determinado perfil que é muito semelhante a todos os relatos de violência doméstica e violência sexual.
Na avaliação de Denise Dora, a escalada da violência contra as profissionais da Comunicação e o padrão de ódio e de reação à tentativa de igualdade de gênero no Jornalismo são a ponta de um iceberg numa sociedade patriarcal atravessada pelo machismo. “O Brasil é o quinto país do mundo onde mais se mata mulheres”, lembrou.
Agressividade e misoginia caracterizam investidas atuais
Mais do que o testemunhal do seu caso, a jornalista Patrícia Campos Mello chamou atenção para as características misóginas dos ataques desferidos pelo atual Governo e seus seguidores contra as mulheres no exercício do Jornalismo. “Nenhum governo gosta de jornalista porque a gente investiga, questiona… Agora, o que mudou é que a violência está muito mais direcionada e mais agressiva. Além disso, tem o aspecto misógino; os maiores alvos são as mulheres negras e o método mais comum é fazer assassinato de reputações”, disse.
Patrícia comparou a situação do Brasil à da Índia, onde mulheres jornalistas também são alvo de violências como ataques a reputações e silenciamento nas redes sociais. Para ela, o lado mais perverso dessa prática é quando as ameaças atingem familiares, como filhos, pais e companheiros. Isso leva as mulheres a pensarem duas vezes antes de publicarem uma matéria”.
A jornalista da Folha de S. Paulo ressaltou que também tem crescido o chamado assédio judicial aos jornalistas. Somado aos ataques virtuais e à tentativa de descredibilização dos profissionais, Patrícia acredita que tudo isso acabe funcionando, na prática, como censura. “O governo deslegitima as mulheres, faz assédio judicial e manipula o debate público com a versão distorcida do conteúdo que você quer explorar”, pontuou.
Na avaliação da repórter, os ataques às mulheres jornalistas são uma parte importante à erosão da liberdade de imprensa no Brasil.
Prevenção, cuidado, acolhimento, reparação e justiça
Avaliando que as saídas jurídicas não são as únicas para enfrentamento de uma violência que tem raízes estruturais, Denise Dora destacou a necessidade de prevenção, cuidado, acolhimento, reparação e justiça para as mulheres comunicadoras vítimas de violência no exercício da profissão. “Na Artigo 19, a gente acolhe, escuta, pensa e tenta organizar essa proteção”.
Sobre a chamada tecnoviolência, Dora destacou que as mídias sociais reforçam e atualizam violências estruturais. “Recomendamos que as mulheres não respondam na mesma hora, utilizando as mesmas redes sociais; reforcem a segurança digital, os servidores que utilizam”.
Já Patrícia Campos Mello disse que a jornalista não deve cair na tentação de “virar o inimigo”, ou seja, não assumir um lado de oposição. Recomendou colocar uma pessoa próxima para monitorar os ataques nas redes e não a própria vítima. E também o fechamento das redes sociais, o cuidado com backups, entre outras medidas de segurança. Em uma lição de resiliência, ela declarou que vai continuar fazendo Jornalismo.
“No dia que eles conseguirem me tolher, será uma vitória desse tipo de ataque”.
*Jornalista, membro do Conselho Consultivo da RIPVG — Brasil e 2ª Vice-Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas — FENAJ